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A cidade de Feira de Santana, localizada a cerca de 104 km da capital, Salvador, apelidada pelo escritor Ruy Barbosa de “Princesa do Sertão”, já teve a maior feira livre do Brasil, que concedeu ao município o nome e o status de cidade comércio. O lugar chegou a receber a visita do Imperador Dom Pedro II à cidade, em 1859, atraído pela potencialidade da feira livre, das rotas do gado e do futuro promissor da vila enquanto polo industrial.

As mudanças que ocorreram ao longo dos anos no comércio da cidade são históricas e registram a identidade da segunda maior cidade do estado. Desde a década de 1970, o município passou por processos de requalificação que modificaram a organização espacial da cidade e do seu principal vetor econômico, o comércio.

Essas transformações são apontadas na pesquisa da professora da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), Alessandra Telles. A geógrafa, que tem mestrado pela Ufba e doutorado pela UFs em Geografia, coordena o Núcleo de Pesquisa e Análise do Território (Nupat/Uefs). A pesquisadora explica que a partir dos projetos de requalificação da Prefeitura Municipal, a sobrevivência dos trabalhadores informais não estava mais garantida e eles passaram a migrar para novos espaços da cidade.

“As mudanças foram avaliadas considerando a história e trajetória da organização espacial de Feira de Santana. Lembremos que na década de 1970 tivemos um processo de requalificação com a retirada da feira livre do centro da cidade para o Centro de Abastecimento; na década de 1990, os camelôs que vendiam produtos made in China para o Feiraguay; hoje a retirada de camelôs e ambulantes para o Shopping Popular. No primeiro e terceiro momento, a resposta das pessoas que trabalhavam nas ruas foi o surgimento/crescimento das feiras nos bairros Cidade Nova, Tomba e Estação Nova e no terceiro uma migração significativa para os bairros”, explica a professora ao Acorda Cidade.

Novos Subcentros

A pesquisa entrevistou consumidores de Feira e região que costumam comprar no comércio local e chegou a conclusão do aparecimento de novos subcentros, à exemplo dos que se formam nos bairros do SIM e na Avenida Artêmia Pires, além do fortalecimento do comércio de bairros que já tinham suas vendas consolidadas.

“Hoje um morador consegue encontrar comércio e serviços bem próximo da sua casa, sem ter que se preocupar com deslocamento. É possível perceber com uma circulação pela cidade que temos núcleo bem específicos: Cidade Nova, Tomba, Sobradinho – os primeiros que já atendiam a população de seus bairros e imediações e agora aparecem com força: Cidade Nova-Parque Ipê-Conjunto João Paulo-Papagaio (considere principalmente a ligação Av. ACM com a Fraga Maia), Conceição-Mangabeira (Avenida Ayrton Senna com Iguatemi) e SIM-Registro (Avenida Artêmia Pires, com muita força e Noide Cerqueira), Santa Mônica (destaque para Avenida Getúlio Vargas e São Domingos)” explicou a pesquisadora Alessandra.

Dennys Oliveira é dono de um restaurante na Artêmia Pires, mas já esteve nas ruas do centro. Foram quatro anos trabalhando na Rua São Domingos e agora já estão no novo subcentro há três anos. Ele explica que o motivo da migração foi a expansão da região.

É positivo, porém o fluxo de consumidores ainda não é compatível com a quantidade de moradores da região. Está crescendo desordenadamente, sem nenhum planejamento estrutural, conta o empresário.

Ele também reforça que para atrair os clientes estão investindo em divulgação e ofertas. Estamos realizando promoções, divulgação em vários modelos diferentes, campanhas e o show do nosso mascote, o urso Jordan; fazemos apresentações periódicas para os nossos clientes kids, explica.

O surgimento desses novos subcentros comerciais ressurgem na cidade por conta também do processo de realocação dos trabalhadores informais que trabalhavam nas ruas Marechal Deodoro, Sales Barbosa e a Bernardino Bahia, para o Cidade das Compras, popularmente conhecido como shopping popular, espaço que não garantiu a permanência de todos os feirantes, vendedores ambulantes e camelôs. Muitos desses trabalhadores não conseguiram arcar com a taxa de aluguel e com as baixas vendas que enfrentaram no período da pandemia.

É o caso do camelô e feirante, Adailton dos Santos, que nos contou como foi sua trajetória trabalhando nas ruas do centro. “Minha vida faz parte do comércio. Eu comecei a trabalhar no Beco do INSS, depois fui trabalhar do lado da igreja da Senhor dos Passos, de lá eu voltei pro fundo do mercado de arte. Hoje, no fundo do mercado de arte, veio o shopping popular, a requalificação do centro da cidade e me jogaram lá pra baixo. Lá embaixo deu errado, eu não consegui sobreviver, fiquei com várias contas”, explicou Adailton.

Adailton trabalha hoje na Rua Marechal Deodoro, vendendo eletrônicos, acessórios, bolsas e mochilas para manter a sua renda. Ele conta que há mais uma tentativa de realocação dos vendedores para outros locais. ‘Eu subi pra cá pra cima da Marechal. Eu já tenho aqui três anos e agora eles vêm com a história, só pode vender fruta e verdura. Uma feira pra ser uma feira de verdade, tem que ter o eletrônico, tem que ter a mochila, tem que ter a fruta; é um elemento puxando o outro, é uma feira tem que ser conjunta, conjugada; Eu acho é que eles tão querendo excluir as pessoas que são do centro da cidade de que tem vinte anos de trabalho”.

Trabalho Informal

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua Trimestral, divulgada em maio deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desocupação na Bahia segue sendo a mais alta do país. No primeiro trimestre de 2023 em relação ao quarto trimestre de 2022, ela ficou em 14,4%. A taxa média brasileira ficou em 8,8%.

É o que explica a doutora em Educação e Contemporaneidade pela Universidade Estadual da Bahia (Uneb), Sara Soares. Ela desenvolve pesquisas junto aos trabalhadores que atuam no centro de Feira de Santana.

“Fazendo um ofício que é historicamente modelo em Feira de Santana, a falta de trabalho é o que leva essas pessoas a precarização, a buscarem o trabalho informal. Esse é um fenômeno mundial, o próprio mercado de trabalho formal ele não dá conta de absorver todos os trabalhadores que existem disponíveis no mundo. É natural que as pessoas busquem outras formas de ganhar o seu dinheiro considerando que eles não conseguem empregos formais”, explica Sara em entrevista ao Acorda Cidade.

‘’Há uma outra coisa interessante de se pensar é como a prefeitura de Feira de Santana e alguns elites locais veem esses trabalhadores como se fossem criminosos. O trabalho informal ele é uma realidade no mundo e a gente precisa aprender a olhar para esse trabalhador com um olhar mais digno, mais generoso com essa forma de ganhar a vida; e não é uma forma criminosa e marginalizada como tem sido tratado hoje pela prefeitura e por algumas elites locais de Feira de Santana”, complementa a pesquisadora.

Resistência Constante – Feira da Marechal é Patrimônio

Durante o período das obras do Novo Centro, que se iniciou em abril de 2020, orçada em 37 milhões de reais, a requalificação das ruas e calçadas anunciava um diálogo complicado entre prefeitura e o processo de remoção dos camelôs e ambulantes que ocupavam as ruas mais movimentadas do centro.

Os feirantes que trabalham na Rua Marechal Deodoro, permanecem hoje no local através da Lei Nº 397/2022, de autoria do vereador Jhonatas Monteiro (PSOL), que reconhece a feira como patrimônio imaterial cultural da cidade. Mas eles ainda lutam pela permanência e organização do espaço.

Edineide Ribeiro trabalha na Feira da Marechal com familiares há seis anos. Elas escoam produtos da agricultura familiar, produzidos no distrito de Humildes. “A questão de organização que a Prefeitura tá fazendo, mas sem diálogo com os feirantes; têm até a lei que no artigo 3º diz que qualquer coisa que a prefeitura for resolver na feira da Marechal tem que ter diálogo com os feirantes, então a Prefeitura já segue infringindo a lei” disse a feirante ao Acorda Cidade.

“A rua Marechal foi requalificada sim, calçadão novo, mas não tem organização no trânsito. Cadê que não tem uma área de carga e descarga aqui na rua Marechal Deodoro? Não tem um espaço reservado para taxistas, espaço reservado para mototaxista? Então se encontra assim, requalificou, mas continua bagunçado. Está uma rua requalificada, mas a bagunça prevalece ainda aqui”, diz ao Acorda Cidade, Edineide que também faz parte do Movimento de Trabalhadores do Centro, Feira da Marechal é Patrimônio.

O empresário Henrique Rocha abriu sua loja recentemente na Marechal. Ele conta sua experiência enquanto proprietário no comércio formal. “Eu acho importante os camelôs, principalmente a parte dos feirantes, porque traz mais um movimento para área; eu já tive outras experiências em Salvador, de outras lojas, que quando foi tirado os camelôs, principalmente da Avenida Sete, fechou muita loja, caiu muito o movimento. Então, sendo organizado, botando as barracas organizadas, prestando atenção na questão da higiene, eu acho fundamental a permanência dos camelôs, principalmente da feira”, diz o comerciante.

Denúncia

O camelô Adailton que nos contou sua trajetória nesta reportagem denunciou que vem sofrendo intimidações pelos trabalhadores conhecidos popularmente como rapa. Ele fala que a prefeitura está impondo somente a venda de frutas e verduras na Feira da Marechal, sem diálogo com os vendedores.

“Na realidade mesmo, teve um acidente com meu irmão, eu fui pra Salvador, quando eu cheguei, ele tinha um decreto, eles cederam o meu box, tive o covid, eles lacraram o box e retiveram a mercadoria e me expulsaram; não é que eu fechei o box e vim pra Marechal. Eu vim pra Marechal forçado por causa do meu meio de sustento de vida. E eu tenho também uma defensora pública, a doutora Júlia que acompanha meu caso. Ela também me falou que o juiz não olha meu processo então por isso eu não ia ficar na mão, eu tinha que arranjar algum lugar pra eu ter o meu sustento. Me apoiei na Marechal e estou com essa galera aqui, estamos se movimentando para que a feira fique melhor, né, mas devido o prefeito e esses povo aí do Rappa, eu mesmo estou sendo coagido. Eles estão passando por mim agora e segurando o revólver. Mas quem tem que trabalhar não tem medo né? Tem que trabalhar de qualquer jeito. Que eu não vou roubar. O que eu acho é que a feira livre é pra todos, independente quem vende fruta, quem não vende a feira é pra agregar, não pra jogar pra fora, denuncia o camelô”.

Buscamos um retorno sobre a situação com a Secretária de Prevenção à Violência (Seprev) e o responsável, Moacyr Lima, nos informou como os trabalhadores devem seguir com a questão.

Com relação a essa questão de ameaça, intimidação e uso da de arma de fogo, se alguém se sentir ameaçado/ intimidado, vai à delegacia, exigir uma ocorrência contra quem está ameaçando, pois essa não é a orientação da Seprev.

Ele reforça, Se tiver alguém que foi intimidado que não queira ir na secretaria para falar, tem a delegacia que ele pode registrar; foi intimidado, apontaram arma pra mim, me ameaçaram, aí sim a delegacia vai apurar. Compete a ele (delegacia) apurar. A nós compete tentar organizar isso e é o que nós estamos fazendo, concluiu o secretário.

A Luta Continua

Na última segunda-feira (12), o movimento “A Feira da Marechal é Patrimônio” protocolou um pedido de reunião com integrantes responsáveis pela organização das feiras da cidade e com o secretário Pedro Américo. O movimento informou que decidiu realizar a ação oficialmente para denunciar as tentativas de recadastramento dos trabalhadores da feira, sem a devida escuta e participação de representações do movimento.

Eles esperam pela abertura de um canal de diálogo entre os trabalhadores e as trabalhadoras da Marechal com a referida comissão. Para o conjunto do movimento é preciso que o governo cumpra com as disposições da Lei 937/2022, que garante os direitos adquiridos através da luta do movimento, afirmaram em nota.

Decisão Judicial

O Tribunal de Justiça da Bahia em segunda instância, através do processo número 0002029-93.2022.8.05.0080, decidiu que agora não será mais permitido que o Consórcio Shopping Popular apreenda as mercadorias dos camelôs que não conseguirem pagar as taxas de condomínio e de aluguel. A decisão foi dada na última terça-feira (13). 

Reportagem produzida pela estagiária de jornalismo Jaqueline Ferreira sob supervisão da jornalista Andrea Trindade.

Fonte Acorda Cidade

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