Um estudo chamado “Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil”, realizado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea), demonstrou que em março de 2020 haviam quase 222 mil pessoas em situação de rua no Brasil, representando um aumento de 139% em relação a 2012. E conforme o Ministério da Saúde, no período de 5 anos, entre 2015 a 2019, foram notificados mais de 31 mil casos de violência motivada por situação de rua da vítima, no Brasil.
Ademais, no mês de fevereiro de 2023, três homicídios envolvendo pessoas em situação de rua foram registrados em Feira de Santana. Dois desses crimes ocorreram no bairro Serraria Brasil e o outro no bairro Capuchinhos. Em entrevista ao Acorda Cidade, Dom Zanoni Demettino Castro, arcebispo de Feira de Santana destacou a sua preocupação e também da Igreja Católica com as pessoas em situação de rua.
“A igreja compreende que a vida é um dom de Deus e tem se empenhado na defesa da vida e da sua concepção até o seu fim natural, por isso que nós observamos a ação evangelizadora da igreja. A preocupação com o povo de rua e a dedicação que tem a Casa Monsenhor Jessé, que muitas pessoas em Feira de Santana não conhecem, é uma obra fantástica de cuidado, de proteção, de acompanhamento desse povo e dessa gente. E creio que nesse momento em que são ceifadas vidas, são assassinadas pessoas na nossa cidade, Feira de Santana vai figurando como uma das cidades mais violentas do mundo, é uma estatística que não nos dá orgulho. E creio que nós somos desafiados nesse momento quaresmal a dar uma resposta significativa. Não basta apenas uma repressão policial, não é suficiente apenas reuniões e falas. Mas, um envolvimento de todas as forças vivas do município, dos poderes públicos, de homens e mulheres, para a construção de um mundo de paz e conciliação”, abordou.
Quando o mundo quer guerra o Papa aponta para a paz e para a reconciliação, enfatizou Dom Zanoni.
“A nota que foi divulgada pelo Centro Monsenhor Jessé diz que quando presenciamos ações constantes que causam a morte daqueles que amamos, uma dor profunda irrompe em nosso peito e faz-se necessário gritarmos, gritar não é bagunça, mas a manifestação do clamor, do grito do excluído. É preciso tirar as pessoas da vida cômoda, então este tempo é um tempo de conversão. Nós cristãos somos chamados a mudar de vida e de mentalidade. Cristianismo não são só verdades reveladas, mas exige de nós uma postura bem próxima aos profetas, a Isaías, a João Batista, a Oséias, é se aproximar do seguimento de Jesus. Quando nós vemos esse desastre ecológico, as chuvas no litoral Norte, percebemos que gente de classe média, de condomínios, se articularam com representantes de Governo para não construir casas, isso é um crime! E outros utilizam trabalho análogo à escravidão, esse Brasil precisa ser passado a limpo, precisamos superar esse racismo estrutural impregnado na nossa mentalidade e compreensão, por isso a fala profética deve ser ecoada e manifestada”, salientou.
Dom Zanoni também ressaltou a importância de existir um grande movimento em defesa da vida contra a morte, contra o extermínio da juventude negra e contra os assassinatos do povo em situação de rua.
“A política precisa ouvir toda a sociedade. A igreja está propondo um momento de escuta, que não vem por milagre, não vem por repressão, não vem por golpe militar, não vem por ditadura. É um caminho sinodal, é caminhar junto a autoridades, servidores, igrejas, instituições. Não há outro caminho, mas é preciso repensar a compreensão de ‘ser humano’ que ainda está muito defasada, desorientada e distante do que se propõe, que é a vida humana na sua dignidade”, concluiu.
A nota de repúdio divulgada pelo Centro Social Monsenhor Jessé (Pastoral do Povo de Rua) diz:
A vida é o dom mais precioso que recebemos de Deus. Quando presenciamos ações constantes que causam a morte daqueles que amamos, uma dor profunda irrompe em nosso peito e faz-se necessário GRITARMOS. Em janeiro e fevereiro deste ano, 2023, três pessoas em situação de rua, filhos do Centro Social Monsenhor Jessé, tiveram as vidas ceifadas. Precisamos dar um basta à cultura da morte, à normalização dos “CPF’s cancelados”, e sobretudo, da banalização da vida do próximo que é nosso irmão, independente do estado no qual se encontre.
Pedimos às autoridades competentes que busquem meios de mitigar e reprimir as violências perpetradas contra a POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA. Toda vida importa! Não é admissível julgarmos como normal qualquer assassinato. Precisamos externar a nossa indignação contra tais fatos e profetizarmos o que a Sagrada Escritura traz no livro do Deuteronômio 30,19: “Tomo hoje por testemunhas o céu e a terra contra vós: ponho diante de ti a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas com a tua posteridade.”
Basta de impunidade e violência! Queremos paz e justiça! Escolhamos a vida!
Fonte Acorda Cidade