Uma mulher de 50 anos vai receber indenização de R$ 500 mil após ter sido mantida em condição de análoga à escravidão em Porto Seguro, cidade turística no extremo sul da Bahia, por 44 anos. A informação foi divulgada nesta segunda-feira (23) pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-BA).
Conforme o MPT-BA, Maria (nome fictício usado para preservar a identidade e a segurança da vítima), chegou à casa de Heny Peluso Loureiro ainda criança, quando tinha apenas 6 anos, para trabalhar como doméstica.
De acordo com o órgão estadual, quando chegou ao imóvel, a vítima não tinha certidão de nascimento. O documento foi obtido pela patroa anos depois, com informações falsas.
Como não existia nenhuma informação sobre a origem dela, apenas registros de que não falava português quando chegou, suspeita-se que Maria tenha origem no continente africano.
Durante os 44 anos em que foi mantida em condição análoga à escravidão, ela não estudou, não fez amizades, nem teve relacionamento amoroso. A vida dela era voltada totalmente para servir à família de Heny Peluso Loureiro, sem receber nada por isso, além de casa e comida.
Após a morte da patroa, Maria foi morar com um dos filhos da ex-empregadora. O homem tentou cadastrar Maria para receber benefícios sociais. A situação chamou a atenção da assistência social e a equipe do Centro de Referência de Assistência Social (Creas) visitou a casa de Maria para encaminhar o pedido de inclusão no Cadastro Único (CadÚnico).
Além disso, ela sofreu maus-tratos do então patrão e decidiu pedir ajuda. O acolhimento veio primeiro por meio de uma amiga da vizinhança, depois por uma advogada que decidiu buscar órgãos públicos para denunciar a situação.
O MPT-BA abriu inquérito para apurar a situação e, depois da investigação e de tentativas frustradas de acordo extrajudicial, o órgão ingressou com uma ação civil pública. Em paralelo, a advogada da vítima entrou com um processo na Justiça do Trabalho para cobrar o pagamento das verbas trabalhistas.
No fim do mês passado, o MPT-BA e os representantes do espólio da patroa e os dois filhos chegaram a um acordo, que teve participação da vítima. No documento assinado por todos e já homologado pela Justiça do Trabalho, os empregadores não reconheceram culpa, mas se comprometeram em pagar R$ 500 mil de indenização por danos morais, além de regularizar a carteira de trabalho de Maria.
A indenização deverá ser quitada até fevereiro de 2025, prazo limite para a venda de dois imóveis que pertenciam à empregadora, sob pena de multa de 50% desse valor. Até lá, os dois filhos de Heny devem manter o pagamento de um salário mínimo mensal.
Nº de casos cresce na Bahia
Segundo o MPT-BA, a possibilidade de obter autorizações judiciais para fiscalizar as condições de trabalho em residências e uma maior atenção da sociedade para o tema ocasionou no surgimento de mais denúncias, na realização de operações de fiscalização e no resgate de trabalhadores domésticos em situações análogas à escravidão.
O órgão estadual aponta, inclusive, um indicador dessa realidade: cerca de 20 baianos integram, desde o primeiro semestre deste ano, a Lista Suja – cadastro dos empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Os casos de trabalho análogo à escravidão são investigados pelo MPT-BA e as vítimas são resgatadas. Em seguida, o órgão conclui inquérito e tenta negociar o ajuste de conduta, porém, se não houver acordo extrajudicial, o caso é levado para a Justiça do Trabalho.
A procuradora Manuella Gedeon, que coordena as ações de combate ao trabalho análogo à escravidão na Bahia, destacou que, a partir de 2020 houve um aumento significativo no número de denúncias recebidas, o que possibilitou a fiscalização e apuração dos casos.
“Há um problema antigo e uma cultura antiga no nosso país de casos de trabalho escravo. Nós resgatamos mulheres e homens que estão nessa condição há 30 ou 40 anos, em casas de família, trabalhando sem nenhum direito. Então, isso sempre existiu, mas agora a equipe está conseguindo chegar”, reiterou.
Na Bahia, o combate a essa prática é realizado sempre em rede, por meio da Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae-BA), com participação efetiva do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego do Governo Federal, Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Governo do Estado e Polícia Rodoviária Federal, dentre outras instituições.
Fonte G1 Bahia