O governo do Rio de Janeiro divulgou, através do Diário Oficial, na última semana, que o acarajé se tornaria patrimônio histórico e cultural do estado. Conhecido por ser uma comida típica associada a Bahia, a decisão teve repercussão nas redes sociais, onde baianos questionaram o motivo pelo qual o bolinho de feijão se tornaria “carioca”.
O professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e doutor em antropologia, Vilson Caetano, afirma que o acarajé não é nem baiano, nem carioca: é africano. A comida típica chegou ao Brasil através dos africanos escravizados e se consolidou no estado mais negro do Brasil, a Bahia.
“O acarajé não é da Bahia, é do mundo. Por onde o africano iorubá passou, ele fez bolinho de feijão. O acarajé não é de um estado, ele é universal”, afirmou.
O que significa ser considerado patrimônio histórico?
Para o historiador e influenciador digital, Matheus Buente, quando um estado declara que algo é considerado patrimônio histórico, isso demonstra a importância desse objeto para a cultura do local.
“Quando algum lugar decreta algo como patrimônio histórico cultural, ele não está dizendo que aquele ‘bagulho’ é daquele lugar. Está dizendo apenas que é importante para a cultura, porque é uma cidade de população negra grande, com forte influência africana, e lá também se vende acarajé”, explicou em um vídeo publicado nas redes sociais.
Para Matheus, considerar o acarajé como patrimônio histórico é importante para a preservação do bolinho de feijão, tanto na forma de fazer, como de vender e consumir.
O acarajé é considerado patrimônio histórico baiano?
Em 2002, a Associação de Baianas de Acarajé e Mingau do Estado da Bahia, o Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia e o Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, encaminharam ao Ministério da Cultura um pedido para que o acarajé fosse considerado patrimônio cultural brasileiro.
Após diversos estudos, em 2004 o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) entendeu que o acarajé é “o alimento emblemático do universo dos saberes e modos de fazer das baianas do tabuleiro”. Por isso, o instituto decidiu tornar o ofício das baianas de acarajé em Salvador como patrimônio cultural brasileiro.
Para Vilson Caetano, tornar o trabalho das baianas como patrimônio incluiu o acarajé – e os outros alimentos vendidos no tabuleiro.
“Quando se fala do ofício da baiana de acarajé, é uma maneira de incluir os alimentos do tabuleiro, o modo de fazer a maneira de vender. O documento diz que, do tabuleiro, a comida emblemática é o acarajé”, afirmou.
Apesar da decisão já incluir o bolinho de feijão, para o doutor em antropologia é importante que o alimento seja reconhecido como patrimônio em outros estados. Para ele, o reconhecimento e da comida sagrada nas religiões de matriz africana anda junto com a valorização da cultura.
“A Bahia sozinha não vai vencer o racismo. O acarajé também é símbolo de resistência, faz parte da história”, afirmou.
O acarajé é considerado patrimônio histórico de Salvador?
Uma lei municipal sancionada em junho de 2002 instituiu o acarajé como Patrimônio Cultural de Salvador. A lei foi sancionada antes da própria decisão do Iphan, em 2004.
Na ocasião, a lei nº 6138/2002 foi assinada pelo prefeito da época, pelo secretário municipal do governo e pela secretária de educação.
O que a associação de baianas de acarajé pensa sobre o acarajé ser patrimônio histórico e cultural do Rio?
Para a Associação Nacional das Baianas de Acarajé (ABAM), não há problema no reconhecimento do acarajé como patrimônio histórico e cultural no Rio de Janeiro. Para a entidade, a questão está na ausência da mesma lei na Bahia.
Para a associação, o reconhecimento do bolinho de feijão como patrimônio pode proteger o alimento de “absurdos” como alterações de sabor, modo de preparo e de venda.
“Já travamos várias discussões a respeito desta apropriação cultural indevida e demasiada. Ainda é comum percebermos a comercialização do acarajé com nome de “bolinho de Jesus”, temperado com catchup, maionese ou mostarda, acompanhando a coloração do modismo americano, inclusão de ingredientes que não pertencem a sua construção ancestral como bacalhau, siri entre outros sabores”, afirmou.
Ainda de acordo com a ABAM, a entidade está em diálogo com a Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) para tentar formular a lei.
Fonte G1 Bahia