O Centro de Apoio aos Trabalhadores Rurais de Feira de Santana (Catrufs) realizou na manhã desta segunda-feira (27), um seminário com o objetivo de discutir, alertar e buscar soluções para a calamidade pública, devido à seca que está atingindo a zona rural do município. O evento foi realizado na sede do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar.
A trabalhadora rural, Joana Pereira Menezes, relatou a situação da sua família e dos moradores no distrito Governador João Durval Carneiro (Ipuaçu). Segundo Joana, muitos perderam as safras. Ela que mora próximo à beira do rio, vê a seca tomar conta do espaço.
“A seca está horrível. Não tem mais nada para o bicho comer. Não tem água para beber. Ali a gente está sendo socorrido pelas pocinhas da água do rio. O que se plantava, produzia antigamente. Se tivesse tudo bem, era feijão, mandioca, batata, couve, quiabo, tudo isso a gente plantava, mas não. Foi toda perdida. Quando falam difícil, é difícil mesmo. Eu moro, a minha terra é próxima à beira do rio e não tem como, está tudo seco mesmo. Se o senhor chegar lá até chora de tanta seca que está. Só é chão e pedra, porque meu terreno parece que é só pedra. Algumas árvores também morreram, é triste, triste mesmo”, revelou a moradora ao Acorda Cidade.
A presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Feira de Santana e do Catrufs, Conceição Borges, falou durante o encontro que a devastação e o cenário de escassez já são uma realidade das localidades.
“Já temos registro de animais mortos, já temos registro de falta de água intensa, da divisão de água com os animais, então isso nos preocupa. E olha que a gente está falando apenas da sede e não se pautou ainda a fome, porque de certa forma o nosso povo ainda tem muita resistência em dizer que está passando necessidade. Então, nos preocupa, nos assusta, nos entristece”, declarou.
Para a presidente, o sentimento de abandono da zona rural é visível. Os sindicalistas, trabalhadores e trabalhadoras seguem se mobilizando, participando de reuniões com órgãos responsáveis, mas nenhum retorno significativo é apontado diante tantas perdas que a classe vem sofrendo este ano. Conceição declarou ao Acorda Cidade em julho deste ano, que 70% da safra de milho e feijão havia sido perdida na zona rural de Feira.
“Tem um decreto aí que foi da Prefeitura, a gente não sabe se foi homologado pelo Estado. Falta mesmo é política pública. O governo municipal não fala com a gente, mas o governo do Estado também não. A gente encaminhou vários documentos, o mais recente foi de outubro, e não tivemos resposta. Então, tem sido um problema de atenção à Zona Rural, dos governantes de modo geral, municipal, estadual e federal, isso é fato”, colocou.
Além disso, Conceição ressaltou que há mais de 10 anos, a zona rural registra queda na produção, mas este ano, as perdas foram mais intensas porque choveu pouco no inverno. Ela relatou o cenário do momento.
“Temos perda de feijão e milho, mas aí já se perdeu tudo, nós não temos o caju, nós não temos manga, nós não temos acerola e tem uma outra coisa que a gente traz para este debate, que é o empobrecimento”, disse.
Um exemplo do empobrecimento é a perda da produção para outras localidades. Conceição explica que muitos pecuaristas de médios e grandes produtores, retiram o gado para outras regiões, perdendo assim a renda e a produção do local.
Durante o evento, algumas medidas imediatas foram discutidas, como a ampliação do abastecimento de água através de carro-pipa, principalmente das famílias que ainda não possuem água encanada.
“A gente precisa que seja distribuído cesta básica para todas as famílias que perderam seus plantios, que não estão produzindo alimento. Nós estamos pedindo que sejam imediatamente recuperadas as cisternas de placa que têm sido construídas pelo Programa Milhão de Cisterna, a partir do MOC (Movimento de Organização Comunitária), a partir das organizações que trabalham com o Programa. A gente precisa imediatamente que venha um subsídio para que essas pessoas possam continuar sobrevivendo. A gente também considera importante trazer aqui para Feira um balcão da Conab”, declarou Conceição.
O balcão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) na região vai possibilitar a discussão e implementação em torno da venda de ração animal através do subsídio, ou seja, a venda a um preço justo, explicou a presidente.
“A nossa luta em relação à distribuição de cesta básica é que se cumpra de alguma cooperativa da agricultura familiar porque você vai gerando renda, a pandemia nos mostrou isso. Em um momento de pandemia a gente teve um programa, o MOC e o comitê de distribuição de alimentos, mas principalmente o MOC fez uma parceria aí com a entidade e comprava o produto da agricultura familiar e vai recorrendo às pessoas que estão passando por insegurança alimentar”, disse.
Estudos sobre a estiagem
O professor de Geografia da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Rogério Macedo, palestrou durante o evento. Ele falou sobre a escassez das chuvas e a influência do El Niño para o aumento das temperaturas no nordeste.
“Nosso considerado inverno aqui é de abril até julho, às vezes até início de agosto e nós tivemos poucas chuvas, uma intensidade abaixo da média histórica e isso em função do fenômeno El Niño que traz aí um processo de ressecamento no Norte e Nordeste do Brasil. Então, esse cenário tende a perdurar pelos próximos 3 meses, essas são as previsões tanto dos nossos institutos de meteorologia quanto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. E a tendência é que haja um agravamento ainda da situação daquelas pessoas que vivem na zona rural e que dependem daquilo que plantam, se não para sobreviver de uma forma total, mas que usam esses cultivos para complementar a sua alimentação”, declarou.
Segundo Rogério, a projeção é que haja em torno de 9 mil estabelecimentos agrícolas na zona rural de Feira, que garantem o sustento das famílias. Desses, 75% ou cerca de 7 mil têm até 2 hectares, que dão mais ou menos 6 tarefas de terra. Então, a maioria desses, com certeza, estão vinculados à agricultura familiar que neste momento estão sofrendo com a seca.
“A agricultura essa, que de certa forma, garante uma parte do sustento dessas famílias. Então, eu diria que uma boa parte desses 30 mil habitantes, eles, de certa forma, se não utilizam totalmente os cultivos como base alimentar, mas tem também uma parte que utilizam de forma complementar. Então, isso por si só, ligado também a outras questões, ao acesso à água, que é um elemento também importante na zona rural, tanto para consumo humano, quanto para a dessedentação de animais. Isso também é um fator que se agrava com essa seca”, explicou.
O professor ainda explicou que um maior aprofundamento da seca já foi registrado com o surgimento de um área árida no norte da Bahia, com impactos para as próximas décadas que ainda não foi possível mensurar.
“O aumento da semi-aridez, o aumento da densidade da semi-aridez no semiárido como um todo, Feira de Santana também vai sofrer esses impactos. Inclusive com o aparecimento pela primeira vez aí, dentro da série histórica que é considerada pelo Instituto de Pesquisa, de uma área árida do Nordeste, no Norte da Bahia, que indica um maior aprofundamento do processo das ausências das chuvas de forma mais permanente”, disse o professor ao Acorda Cidade.
Alessandro Monteiro, Secretário Municipal de Agricultura, que recentemente assumiu o cargo falou sobre suas primeiras ações de enfrentamento à seca na zona rural do município e aos objetivos de melhoramento das localidades como um todo.
“Nós nos reunimos na semana passada, logo depois que assumimos a Secretaria, com todos os agentes distritais encarregados, com o objetivo de fazer esse levantamento apurado das reais necessidades da zona rural. Vimos que de imediato é necessário ampliarmos a quantidade de caminhões-pipa com o objetivo de atender melhor a comunidade. A gente sabe que muitas dessas comunidades são abastecidas pela Embasa, mas a água não tem chegado. Para que você tenha uma ideia, eu recebi reclamações de comunidades que têm mais de 90 dias que não têm água na torneira”, relatou.
Conforme o secretário, foi discutida com a presidente do sindicato a necessidade de distribuição de cestas básicas e de ração animal para tentar minimizar os impactos da seca na região.
“Pelo o que a gente tem visto, esse fenômeno El Niño, ele deve se prolongar, e deve ser, inclusive, mais severo do que nos anos anteriores. E isso deve causar uma estiagem muito maior do que vimos nos últimos anos, não só aqui na região de Feira de Santana, mas como no todo nordeste brasileiro. Então, com o objetivo de minimizar esses danos, as cestas básicas devem ser distribuídas, é claro, através da Secretaria de Desenvolvimento Social, deve ser uma ação grande. Mas também a distribuição de ração animal, que deve ser feita pela Secretaria de Agricultura do município de Feira. E nós já estamos fazendo esse levantamento com o objetivo de atender essas pessoas”, explicou.
No dia 24 de outubro desde ano, a Prefeitura de Feira decretou estado de emergência devido à estiagem. Segundo o secretário, o município agora está aguardando o reconhecimento da calamidade pelo Estado, para que novas medidas sejam tomadas, inclusive com o apoio do Exército Brasileiro. Já na última sexta (24), o governo do Estado reuniu um grupo de trabalho para enfrentamento da seca na Bahia, no Centro Administrativo, em Salvador, com a missão de apresentar um plano de atuação para os próximos meses.
Outra ação de combate a estiagem é a criação de um comitê de acompanhamento organizado pelo sindicato e que os demais órgãos devem tomar para si a responsabilidade, como os governos municipal e estadual, para implementar, distribuir e fiscalizar as atividades de emergência contra a seca.
Fonte Acorda Cidade